Miguel Relvas, ministro que tutela o serviço público de televisão, veio dizer que a RTP/A e a RTP/M passarão a ter 4 horas de emissão diária no final de cada dia. Ao dizer isto, invocando a despesa actual que quer diminuir, está a dizer que os respectivos centros regionais irão ser reconfigurados, irão ver as suas capacidades produtivas muito diminuídas, irão deixar de ter capacidade e tempo para tratar as questões regionais e para difundir as culturas próprias de cada Região, irão ver os seus quadros de pessoal minguar dramaticamente, irão deixar de ser pólos dinamizadores da economia regional nas áreas do multimédia, irão deixar de cumprir o papel de serviço público específico que a Autonomia exige.
Tantos anos a vê-lo ignorar os Açores em tudo o que não fossem desgraças e mau tempo, eu estava a estranhar o súbito interesse dedicado a estas ilhas pelos mais recentes telejornais nacionais do canal 1 da RTP: “Não, ninguém resolveu finalmente acabar com a injustiça. Isto são miolos que se dão, para tirar o pão!”, pensava eu para com os meus botões. E, infelizmente, nem é preciso ser-se muito inteligente para deduzir que, em simultâneo com essa mudança de atitude no Canal 1, ao contrário da reposição da justiça, provavelmente alguma coisa de grave haveria de estar a ser arquitectada para atingir o canal açoriano de serviço público da RTP…
Sócrates proclamava a coragem do seu governo, ao tomar medidas de política que atingiam massivamente, de forma negativa, os seus mais débeis compatriotas. Chefiado agora por Passos Coelho, o governo, com maior coragem ainda (tanta que até se “atreve” a ir além dos compromissos assinados com a troika com a mesma convicção com que os portugueses navegaram para além da Taprobana), alarga e aprofunda a gravidade das, afinal semelhantes, medidas que aplica aos seus (mesmos) mais débeis compatriotas. Os dirigentes da UE saúdam o Governo português por assumir, em nome de uma dívida por explicar (sem responsáveis e impagável nas actuais condições), a empreitada corajosa de penalizar todo um povo por isso, poupando precisamente aqueles que têm vindo a concentrar em suas mãos, nas últimas décadas, a riqueza que ao país tem fugido.
“A Autonomia entrou em colapso. O projecto Açores está a esboroar-se...”, dizia o Prof. Carlos Amaral, em 28 de Julho passado, perante a realidade dos números apurados pelos Censos 2011. A desertificação das ilhas prossegue. Sustentável, economicamente, só Ponta Delgada, não os Açores.
Gustavo Moura, em desacordo, riposta com os êxitos da Autonomia e com a constatação do seu sucesso, enquanto sistema político-administrativo, para o desenvolvimento e a substancial melhoria dos níveis e qualidade de vida dos açorianos em todas as ilhas.
Dir-se-ia à primeira vista estarmos perante visões incontornavelmente opostas da mesma realidade. Julgo no entanto que, nesse caso, cometeríamos um erro de princípio, pois estaríamos simplesmente a apreciar visões diferentes de uma realidade pressuposta como imutável, quando esta, ao contrário, se move e é evolutiva, sofrendo ao longo do tempo alterações que importa analisar. E é a análise da evolução específica da realidade dos Açores o que, em minha opinião, torna afinal perfeitamente contínua e integrável num só discurso a aparente divergência dos pontos de vista referidos.
Iniciando-se com a Revolução Francesa de 1789, prosseguindo com a Comuna de Paris em 1871, e terminando com a Revolução Russa de 1917, as funções sociais do Estado impuseram-se como parte indelével do exercício do poder público em múltiplas regiões e continentes do mundo em que vivemos.
O capitalismo implantou-se pelo meio e sobreviveu até aos nossos dias dando origem, na sua fase de consolidação, a grandes grupos económicos privados, em paralelo com a rapina colonialista das matérias-primas por todo o mundo dito subdesenvolvido, ao mesmo tempo que o abandono das terras gerava reservas avultadas de desemprego mesmo ali junto aos seus centros de decisão (na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte), o que lhe permitia juntar massas de proletários a baixo custo para transformar, acrescentando valor, a matéria-prima rapinada e maximizar os lucros.