Na discussão do Plano de gestão de resíduos dos Açores, o Deputado do PCP, denunciou uma política ambiental mais interessada em queimar lixo para produzir electricidade e em cobrir com terra os problemas ambientais que não quer resolver, do que em atingir metas de redução de resíduos.
O Deputado do PCP elencou uma série vasta de problemas, que vão desde a falta de discussão pública e participação das associações ambientalistas, às velhas lixeiras que, seladas, continuarão a cotaminar o subsolo, aquíferos e águas costeiras, ao surgimento de novas lixeiras a que os serviços de ambiente fazem "vista grossa", passando também pelos custos, de valor desconhecido mas certamente elevado, do transporte de resíduos para incineração na Terceira e São Miguel, a que se somam os próprios custos da Entidade Reguladora (ERSARA), atrás da qual o Governo se esconde, cujo objectivo de "normalização tarifária" é na prática o de pôr os açorianos a pagarem este caríssimo negócio, sem resolver os problemas ambientais da Região.
INTERVENÇÃO DO DEPUTADO ANÍBAL PIRES
SOBRE A PROPOSTA DE PLANO DE GESTÃO DOS RESÍDUOS NOS AÇORES
13 de Janeiro de 2015
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Em muitas medidas este diploma continua a mesma política já instaurada no PEGRA e, por isso, enferma de muitos dos mesmos problemas e muitas das mesmas lacunas. Problemas e lacunas que são vários, graves e começam logo na sua elaboração.
O primeiro problema, a nosso ver grave, coloca-se em relação ao processo de discussão pública. Não temos noção da dimensão e dos contributos recebidos no processo de discussão pública. Não recebemos qualquer relatório deste processo que, para além de breve, decorreu durante a época de Natal e Ano Novo o que, diga-se, não facilita a participação dos cidadãos.
Neste processo de elaboração e discussão do PEPGRA, parece haver uma grande ausência: A opinião, as ideias e os contributos das associações de defesa do ambiente.
Diga-se que, também não se sabe se o Conselho Regional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CRADS) discutiu ou não este assunto, nem qual o seu parecer. Aliás, desde a sua instituição, em 2010, que se conhece pouco ou nada da atividade deste Conselho. Ainda reúne? Ou ficou também esquecido? Ou será que foi transformado em órgão privativo de aconselhamento governamental?
Ainda sobre a informação, vale a pena dizer que se lamenta que os dados do PEPGRA apenas estejam atualizados a 2013. É verdade que o GR só é obrigado a divulgar o Relatório do Estado do Ambiente de 3 em 3 anos, o que nos parece pouco mas é o que está na Lei. Mas estamos em crer que não seria assim tão difícil atualizar estes dados, pelo menos ao ano de 2014.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Como dissémos, com o PEPGRA, existem vários problemas subsistem.
Em primeiro lugar, a selagem simples, sem retirada de resíduos, que está prevista para a maior parte das ilhas, não passa de um cobrir com terra os problemas que não se quer resolver.
O passivo ambiental das velhas lixeiras, meros buracos na terra, subsiste, continuando a contaminar subsolo, aquíferos e águas costeiras, e durante muitos anos se nada for feito. Para este problema o PEPGRA, como o PEGRA antes dele, não oferece nem uma pista para a solução.
Os velhos aterros que ainda estão em funcionamento têm sido alvo de um total desinvestimento e devido a todos os atrasos na implementação do sistema, estão a atingir um ponto crítico, como no caso do Faial, em que basicamente já nem se consegue cobrir convenientemente, com inertes, os resíduos depositados. Para além disso, existe regulamentação europeia para a gestão desses espaços e para a minimização do seu impacto ambiental (que prevê, por exemplo, a vedação dos terrenos ou a colocação de redes de captura de plásticos) que não é minimamente cumprida.
Igualmente, como já denunciámos publicamente, têm surgido novas lixeiras, nalguns criadas por autarquias locais, usufruindo de uma óbvia e inegável “vista grossa” dos serviços de ambiente. Em todo o caso, o PEPGRA nada aborda em termos da fiscalização e o panorama parece pouco prometedor tendo em conta os apenas 5000 Euros que o GR inscreveu no Orçamento de 2016 para investimento na fiscalização ambiental...
Para além disso, existe também um problema sério de capacidade de processamento dos ecocentros, em termos da sua capacidade de processarem o lixo indiferenciado, para recuperarem os materiais recicláveis e lhe reduzirem o volume, reduzindo a quantidade que terá de ir para incineração. Que medidas estão previstas para aumentar a capacidade destes centros?
Mas mesmo que os econcentros conseguissem processar 100% do lixo indiferenciado que recebem, continuaríamos a ter um problema.
É falso, ou pelo menos infantilmente optimista, o que está escrito na página 15 da iniciativa que “apenas uma pequena percentagem que não é possível valorizar, o refugo, é enviado para destino final licenciado”, leia-se incineração. Pense-se que em Portugal continental, 43% dos resíduos sólidos vão para aterro e a experiência nos Açores, por exemplo do Faial, mostra que apenas cerca de 30% dos indiferenciados não são recicláveis, são refugo. Portanto, essa “pequena percentagem” ainda está na ordem de um terço dos resíduos indiferenciados, o que, reconheça-se, não é pouco e terá sérias implicações nos custos com o seu transporte.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Sempre tivemos grandes dúvidas em relação a esta política de queimar lixo para produzir electricidade, porque acaba por inverter os objectivos a que se propõe. A verdade iniludível é que quanto mais resíduos forem incinerados, melhor serão rentabilizadas as incineradoras. Mesmo assumindo que estas nunca serão exactamente lucrativas, a tendência de quem as gere será sempre a de minimizar esse prejuízo, interessando-se mais por queimar resíduos do que em cumprir metas de redução.
Também pensamos que é extremamente duvidoso que a opção, em que o PEPGRA insiste, pela concessão a privados dos ecocentros se revele mais económica ou eficaz. Estes serviços devem ser municipais ou, se adequado, geridos pela própria Região.
Para além disso, seria importante conhecer quando é que a incineradora de São Miguel entrará em funcionamento e quando é que já está construida na Terceira vai entrar em “velocidade de cruzeiro”, começando a receber resíduos indiferenciados de outras ilhas, para incineração.
Outra lacuna importante é a ausência de estimativas sobre os custos do transporte dos resíduos indiferenciados de sete ilhas para as incineradoras. Esta circulação terá certamente custos que serão sempre suportados pelos açorianos, seja como contribuintes, seja diretamente através das taxas de resíduos. Esta é uma questão central, que pode ser de grande gravidade.
Depois, o outro problema gravíssimo é o da “normalização tarifária”. Aprendemos dos exemplos da electricidade e água o que é que esta expressão significa: trata-se de pôr o cidadão a pagar cada vez mais. Será talvez um nivelamento de preços, mas a experiência mostra que é sempre ou quase sempre um nivelamento por cima.
Neste caso, a normalização é feita mais uma vez, atropelando olimpicamente as competências e a autonomia dos municípios, através da entidade reguladora, supostamente “independente”, a ERSARA, atrás da qual o Governo se quer esconder, distanciando-se das suas próprias opções políticas!
Portanto, existirão aqui também custos ditos “de regulação”, para financiar a ERSARA, facto que já temos criticado no passado, porque se trata de um gasto inútil, já que deve ser a própria administração a exercer as suas próprias competências e a ser escrutinada e, quando for caso disso, criticada por elas. E, entretanto, já se sabe quem é que vai acabar a pagar todo este caríssimo negócio!
Tudo somado, este Plano consubstancia uma política ancorada numa velha visão mercantilista e privatizadora, que deixa problemas antigos mas graves por resolver, enquanto simultaneamente vai criando problemas novos. Uma política que não poderia deixar de merecer a nossa firme oposição.
Disse!
O Deputado do PCP Açores
Aníbal Pires