Opinião

mario_abrantes"O que se passa atualmente (com os atentados islamitas) choca-nos, mas pensemos na nossa Igreja: quantas guerras religiosas tivemos, pensemos na noite de São Bartolomeu (massacre desencadeado pelos católicos contra os protestantes franceses e que marcou o início, no século XVII, das guerras religiosas). Também fomos pecadores". (Papa Francisco, dia 15 de Janeiro passado à chegada às Filipinas).

Tal como fez o Papa e a bem da luta pela paz no mundo, parece-me haver quem, além de condenar publicamente a violência e o terror bárbaros e cobardes perpetrados por outrem, também precisasse de ir mais além, reconhecendo os seus próprios pecados nessa matéria. Além de condenar, podemos e devemos até desencadear iniciativas concretas que previnam, travem ou impeçam as ações de violência e de terror. Podemos e devemos julgar e castigar os seus agentes. Mas podemos e devemos também evitar cair na posição maniqueísta ou hipócrita de considerar que a violência e o terror são uma opção unilateral e discricionária de outrem sobre nós, esquecendo o universo e a sucessão de factos que as contextualizam e as ações correspondentes de que nós próprios possamos ter sido ou ser agentes.

Os massacres dos 12 cartoonistas do "Charlie Hebdo", ou de dois milhares de outros seres humanos três dias depois na Nigéria, perpetrados por fundamentalistas islâmicos, chocam-nos sem dúvida. Mas, entre os representantes governamentais que os condenaram na manifestação de Paris de 11 de Janeiro, estão alguns dos herdeiros políticos ou principais responsáveis diretos por ações tão condenáveis como aquelas, que, sob outras bandeiras, se vêm executando desde o fim da segunda guerra mundial.

Nos anos 60/70, em nome do anti-comunismo, o exército colonial português massacrava no norte de Moçambique, o general Suharto na Indonésia, e os EUA bombardeavam e queimavam com napalm milhares de inocentes no norte do Vietnam. Em nome do expansionismo e do combate ao terrorismo, sem condenação expressa tanto do diretório europeu como da administração norte-americana, o governo israelita, em vagas sucessivas como aquela que sucedeu na faixa de Gaza no ano transato, vem expulsando das suas terras e massacrando de ano para ano milhares de inocentes palestinianos. Em nome do petróleo, desde os finais do século XX até hoje, os Estados Unidos, a França e a Inglaterra juntaram-se nas invasões do Iraque, da Líbia e da Síria provocando milhares e milhares de mortos inocentes no mundo árabe, servindo estas ações como caldo de cultura para o surgimento e crescimento de muitos movimentos fanáticos (alguns até inicialmente apoiados pelas potências agressoras) que, empenhando a bandeira do Islão, procuram alimentar uma revanche religiosa e estendê-la a todo o mundo.

Ao contrário do Papa, escusando-se a reconhecer os seus "pecados" em matéria de barbaridades e ensaiando a fuga para a frente da atual crise económica através do suporte ao intervencionismo armado em múltiplos cantos do planeta, os EUA e a UE tanto provocam como respondem a provocações, favorecendo em muitos casos o agravamento das tensões internacionais (agora estendidas à Rússia). Em simultâneo assiste-se sem condenação expressa ao aumento da influência de movimentos neo-nazis e xenófobos europeus que cultivam a violência e o racismo.

Atrás do rasto recessivo da crise que perdura e do acentuar das injustiças e desigualdades na distribuição da riqueza que ela arrasta (a parte do património mundial detida por 1% dos mais ricos passou de 44% em 2009 para 48% no ano passado e vai ultrapassar os 50% no próximo ano), segue-se assim um inquietante clima de ameaça à paz mundial em que se iludem responsabilidades e se confundem os provocadores com os provocados...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 22 de janeiro de 2015

mario_abrantesSempre fui crítico da presença militar norte-americana nas Lages, tal como sou crítico da presença militar de outro qualquer país, em qualquer outra base geograficamente dele afastado, por entender ser essa uma forma utilizada em particular pelas grandes potências, por mais que o façam invocando a preservação da paz e da democracia ou o combate ao terrorismo internacional, para intimidar, subjugar e exercer o seu domínio político e económico (imperial?) sobre outros povos e países menos poderosos, mantendo-os condicionados aos seus interesses.

E a Base das Lages abona fortemente esta ideia se pensarmos que constituiu desde o pós-guerra uma estratégica ponte logístico/militar para o lançamento ou o suporte de intervenções militares norte-americanas e da NATO em vários pontos do globo, durante muitos anos, e uma excelente cobertura dada pelas democracias ocidentais, com os EUA à cabeça, à guerra colonial e ao regime ditatorial português, entretanto aceite como integrante da Aliança Atlântica.

Tristemente conhecida como a sede da "Cimeira da Guerra", a Base das Lages serviu para George W. Bush (EUA), Tony Blair (Reino Unido) e José Maria Aznar (Espanha), recebidos pelo primeiro-ministro português de então, Durão Barroso, se reunirem na tarde de 16 de Março de 2003, para decretarem, quatro dias depois, na madrugada de 20 do mesmo mês, a invasão do Iraque, com base em pretextos hoje indubitavelmente reconhecidos como falsos. Tendo em conta os conflitos despoletados que se seguiram a esta invasão, paralelamente às agressões continuadas de Israel à Palestina: a guerra na Líbia e agora na Síria, com o apoio armamentista prestado pelos EUA e pela Europa a obscuros grupos jhiadistas introduzidos no cenário bélico, pode dizer-se, para nossa vergonha, que a Base das Lages ficou assim na esteira da criação de condições para a ascensão dos movimentos terroristas que hoje assassinam indiscriminadamente em qualquer parte do globo como aconteceu agora em França e também na Nigéria.

Razões de sobra que me levam a ser crítico, como dizia no início, da presença militar norte-americana nas Lages. Mas a vigência do Acordo de Cooperação e Defesa com os EUA, as instalações, o pessoal, o grande e prolongado impacto da Base na economia terceirense são factos objetivos que não podem ser ignorados e que tornam condenável e diplomaticamente inamistosa a decisão unilateral do governo norte-americano de reduzir a sua presença militar dispensando de uma assentada 500 trabalhadores portugueses em 2015. Não estando em terra sua, é inaceitável que os EUA se comportem, perante o "senhorio" e os empregados que "requisitaram", como exclusivos donos e senhores do território da Base. Apesar dos anteriores discursos otimistas dos governos regional e da república e da intervenção de senadores ligados à diáspora, pelos vistos a diplomacia falhou redondamente...

Não resta agora ao governo português senão agir com firmeza em defesa dos interesses nacionais, indo para além de lamentações de circunstância, e se necessário suscitar mesmo a revisão do Acordo de Cooperação e Defesa com os EUA, para garantir junto dos norte-americanos compensações justas aos trabalhadores portugueses que aqueles pretendem dispensar, e (já que desde há alguns anos deixaram de pagar renda pela utilização da Base) a sua responsabilização material indemnizatória pelas consequências sociais e económicas negativas decorrentes, para a população e o tecido económico local, da abrupta redução dos ativos naquela estrutura militar, sem esquecer ainda a manutenção dos compromissos inerentes ao plano de descontaminação dos aquíferos no concelho da Praia da Vitória.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes. publicado em 22 de janeiro de 2015

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