Anacronismos

MAbrantes2Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 11 de maio de 2015

Com manifesta falta de respeito por quem não pensa como ele, incluindo a Comissão Nacional de Eleições, agravada pelo facto de provir da boca de quem deveria por obrigação institucional manter a isenção, Cavaco e Silva visivelmente incomodado pela maioria PSD/CDS e o PS terem visto frustrada a vontade comum de introduzir alterações à lei da cobertura informativa das campanhas eleitorais, apelidou esta de "anacrónica" e comparou-a, num devaneio esse sim efetivamente anacrónico, com a lei da reforma agrária. Enfim, no cargo que ocupa, pouco mais há a esperar de aproveitável (e bem pouco houve até agora) deste que é com cada vez menor pudor e maior evidência o sustentáculo decisivo e um autêntico "ministro-sombra", como alguém lhe chamou, do governo PSD/CDS. Felizmente que, mau grado a desculpa de evitar a campanha eleitoral em tempo de praia para tentar prolongar artificialmente a vida do (seu) governo, Cavaco e Silva está constitucionalmente impedido de o fazer para além do prazo legal que decorre das eleições a realizar no máximo até 14 de Outubro do ano corrente.

E de fidelidade (ou submissão) incondicional e anacrónica ao governo da República e às suas nefastas, anti autonómicas e desastrosas políticas, é a imagem que fica da escolha do nome de Berta Cabral, atual secretária de estado do governo de Passos e Portas, para encabeçar a lista dos Açores pelo PSD às próximas legislativas nacionais. Além disso, para quem, como Duarte Freitas, tanto fala de renovação e de novas caras, esta escolha incidindo sobre uma figura que desde 1983 se ligou ao poder político regional e desde 1995 tem ocupado diversos cargos políticos de forma continuada, diz tudo sobre a demagogia de quem as apregoa. Se juntarmos a este panorama o arrufo doméstico de namorados entre o PSD e o CDS, que até pode em última instância agradar a Portas por garantir a sobrevivência nas ilhas de alguns resquícios dum partido em estado avançado de definhamento nacional, verifica-se em definitivo que ambos se movem no essencial por razões que passam ao largo dos interesses dos Açores e das suas populações.

Ao largo dos interesses nacionais, por sua vez, e na senda das propostas de abrandamento, que não alteração, das políticas de empobrecimento (austeridade), desregulação laboral e delapidação patrimonial do país, apresentadas pelo PS aos portugueses, acrescenta-se o malabarismo político duma hipotética contestação deste partido à privatização da TAP. Na verdade percebeu-se que essa contestação não passou de foguetório inconsequente quando António Costa veio a público para manifestar não a sua oposição à venda daquela companhia estratégica, mas antes a sua intenção de "rediscutir" com o governo PSD/CDS a 2ª (ou 3ª?) fase do processo da sua alienação, isto é, depois de consumada a privatização da maioria do capital (mais de 60%) daquela empresa. Afinal não será tão estranha ou anacrónica uma tal intenção já que foi precisamente um governo do PS que começou por defender a privatização da TAP...mas tendo em conta que aparentemente nada vincula hoje este partido àquela posição (nada vincula?) não deixa de ser lamentável que se mantenha nessa linha contrária ao interesse nacional.

Integrando sem questionar o campo do chamado "consenso europeu" e do Tratado Orçamental da UE, o PS tem assim partilhado, como diz Pacheco Pereira, o "realismo" do pensamento único que domina a Europa atual, aquele mesmo que faz correr Passos e Portas e cuja natureza ideológica não é nem "técnica" nem "neutra" mas sim claramente de direita.

Provocando por arrasto efeitos indesejáveis e negativos tanto sobre o retrato do nosso passado recente como para o devir no país, este é o principal anacronismo com que se vem confrontando um partido que ainda conta com muitos apoiantes de esquerda e que possui sem dúvida raízes de esquerda...