Quando reduzir... aumenta!

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Mário AbrantesParece maluqueira, mas não é. Isto aconteceu realmente. A realidade está aí para o provar. A Irlanda foi dos primeiros países da União Europeia (UE) a decretar medidas drásticas de austeridade para reduzir o défice público (incluindo um corte de 10% nos salários da função pública, lembram-se?). Foi em 2008, quando a sua crise bancária se começou a propagar e o seu défice orçamental em percentagem do PIB atingiu 7,3 %. Resultado, a economia contraiu-se em 10 por cento e, surpresa das surpresas, o défice disparou para 14,3 por cento do PIB até finais do ano transacto, sendo actualmente o maior da UE.
 
 
Dirão, mas a Irlanda é uma excepção. Não! A Irlanda é a regra, só que mais expressiva. Veja-se toda a UE, desde Maastricht, a traçar orientações e a tomar medidas para conter, a qualquer custo, o défice nos 3%. E o que aconteceu? De um reduzido número inicial de países com défices públicos superiores àquele valor (Portugal era um deles), passou-se, em finais de 2009, para uma UE quase toda ela acima desse valor (incluindo a guardiã do euro, a Alemanha, que já vai nos 5%). Mais rigorosamente a UE apresenta-se hoje em média com um défice das contas públicas de 6,5%, ou seja, acima do DOBRO do valor de partida que se obrigava a conter desde Maastricht!

E isto tão simplesmente porque um país, ou um conjunto de países, não pode matar-se de fome para prosperar nem tão pouco recuar para crescer. A austeridade é sempre má para a economia, por mais que as vozes oficiais de Angela Merkel, Durão Barroso, Sócrates ou Passos Coelho, com a anuência de economistas de serviço e dos governantes das praças regionais, proclamem o contrário.

Verificado que não se alcança a redução do défice com medidas restritivas para o combater, será ou não legítimo imaginar então que, a melhor maneira de o atenuar, será fugindo a esse ataque frontal e prioritário? Mike Whitney, um economista norte-americano “out of bounds” (independente) apresenta-nos uma visão que tem tanto de simples, como de fortemente perturbadora das certezas com que todos os dias somos bombardeados, para justificar a austeridade: “A causa profunda do(s) défice(s) é a queda da produção de riqueza e por isso os défices criam procura. A procura gera actividade económica. Esta, por sua vez, gera crescimento. O crescimento cria empregos. Os empregos aumentam as receitas do(s) estado(s). Logo: o défice gera o seu próprio controlo, e impede potencialmente a recessão.

Então porquê a receita geral do FMI e OCDE (assumida pela UE) da obsessão prioritária pelo combate político-administrativo ao défice? Olhando para as consequências já observadas antes, tudo indica que para enfraquecer o(s) estado(s) e transferir activos, a baixo custo, para mãos monopolistas e grupos financeiros, e para forçar a privatização dos serviços públicos.

Perante a poupança forçada pela quebra de rendimentos, a crise só se combate aumentando o défice público de forma controlada, para manter a economia a funcionar, inverter a quebra da procura e combater o desemprego. Na Europa, o que tem impedido, na prática, a crise de se transformar em recessão, tem sido o aumento efectivo do(s) défice(s) públicos.

Agora o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia (visando em primeiro lugar os “párias” do sul) resolveram atacar, não a doença, mas o remédio. Não é difícil adivinhar pioras significativas, pois não?

O que vale é que o doente, seja na Grécia ou em Portugal, ainda tem voz para se queixar!

 

 Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado no jornal "Diário dos Açores" na sua edição do dia 27 de Maio de 2010