Pairam cinzas no ar

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Mário AbrantesContrariando os apologistas da teoria do aquecimento global, este Inverno e esta Primavera apresentaram-se diferentes do habitual. E, a partir de certa altura, o vulcão islandês também ajudou...

Num Portugal coberto de cinzas, Maio tem estado frio.

 

Este Portugal que o Papa visita sem se esquecer do Cardeal Cerejeira, esquecendo-se assim que, no país anfitrião, houve uma rotura em 25 de Abril de 74 que pôs fim aos tempos cinzentos daquele mandato.

Neste Portugal onde se organiza, curiosamente em simultâneo com a visita (pedindo bênção?) papal, um conselho de ministros para decidir e anunciar medidas que satisfaçam a gula de cinzentas agências mercenárias e especulativas internacionais, ditas de “ranking”, visando impregnar com mais nuvens carregadas de cinza e borrasca a vida próxima dos seus habitantes.

Chamada pelos sócratinos artífices de intempéries, sob o fechar de olhos cúmplice do PSD de Ferreira Leite, aproximou-se lentamente do país uma primeira nuvem do Plano de (in)Estabilidade e (de)Crescimento. Mas, em poucos dias, logo os olhos do PSD se arregalaram para a oferta de uma aliança de salvação nacional, proporcionando àqueles mesmos sócratinos artífices ganharem a coragem e o alento que lhes faltava para carregar e apressar a chegada das restantes.

Um velado aumento nos impostos, a alienação de património público rentável e estratégico, umas machadadas no crescimento económico, no emprego, nas condições de vida dos trabalhadores e nas pensões dos reformados, assim começou por ser o “tímido” PEC sócratino. Apoiando inicialmente de forma envergonhada (mas decisiva, note-se) estas pretensões, o PSD, rejuvenescido e animado pela nova liderança, está agora em campo de olhos e braços abertos para acelerar e turbilhonar, em aliança com o PS, a aplicação deste plano nebuloso e cinzento que já pairava no ar.

É um frenesim de personalidades prontas para salvar o país (que o povo, esse não é para aqui chamado): São economistas, todos eles altos responsáveis pela crise em que desembocámos, reunidos para consulta por Cavaco e Silva. São barões pêpêdianos arregimentados por Passos Coelho, para se concertarem. São “analistas” e “agentes económicos” a propor, por encomenda, soluções óbvias e incontornáveis ao governo. É enfim o Conselho de Ministros do PS que, confiante no apoio deste povinho personalizado, mais do que no anónimo, se apronta para entrar pelas portas que o PSD agora lhe escancara.

E para decidir mais o quê? Medidas fortes defende Rebelo de Sousa!

Que afinal os salários não são só para congelar, mas também para cortar? Que afinal o IVA é para aumentar? Que o 13º mês é para ser mutilado?

Até podem decidir sobre a insolvência do país e decretar o empobrecimento geral (o que aliás em parte já acontece), pois isso advém da própria natureza e conveniência da gestão política do capitalismo, mas uma coisa é certa, não basta decidir para garantirem que se concretize o que quer que seja. Muito menos pacificamente, quando o alvo é a vida de todo um povo que, apesar de ser anónimo, também faz história quando a isso se vê obrigado.

É que ao mínimo desvio da nuvem de cinzas, os aviões levantam e seguem o seu destino… 

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado no jornal "Diário dos Açores" na sua edição do dia 13 de Maio de 2010