Ai chegou, chegou!

Mário AbrantesArtigo de opinião de Mário Abrantes:

Primeiro foi uma candidatura à presidência da república (eticamente condenável) fabricada por espaços de opinião públicos (bem pagos), em horário nobre, mediaticamente promovidos, alardeados e ampliados durante anos a fio por um canal de tv generalista, na pessoa de um quadro e ex-dirigente dum partido de direita – Marcelo Rebelo de Sousa.
A par deste lançamento e com promoção também assegurada por um segundo canal de tv generalista, igualmente em horário nobre, Marques Mendes tem sido outro exemplo visível e emblemático do ponto nauseabundo a que chegou a batota da liberdade de informação em Portugal.
Estamos perante mais um quadro partidário ativo do mesmo partido de direita – o PSD, do qual também já foi dirigente máximo, com acesso privilegiado à informação do seu (ex-)governo, de que se servia de forma mancomunada, a fingir-se semanalmente vidente e adivinho do futuro político imediato, usando e abusando de processos de intenção e mexeriquices rasteiras, deturpando factos e atacando os adversários políticos a partir da posição de falsa independência que lhe dá a capa de comentador político.  


Claro que tudo isto, e muito mais, é possível de acontecer porque os principais órgãos da comunicação social nacionais foram paulatinamente sendo tomados de assalto durante os últimos anos pelo poder político, no caso dos públicos, ou pelos grupos económicos que têm suportado esse poder político, no caso dos privados. Violando mais ou menos abertamente as regras constitucionais da isenção e rigor informativos, tomam por diversas vias partido perante os diferentes intervenientes na vida política portuguesa e procuram em lugar de transferir informação e pluralismo de opiniões, influenciar politicamente e com objectivos determinados a opinião das suas audiências.
Na senda da sanha direitista pós-eleitoral veiculada pela maioria destes órgãos da comunicação social e respetivos comentadores, manifestamente incomodados por não conseguirem influenciar o curso dos acontecimentos com vista à constituição de um governo PSD/CDS apoiado pelo PS, e depois do fracasso das manifestações, cordões humanos e da promoção de dissidências no PS, “exigindo” condições atrás de condições para tentarem impedir por todos os meios a formação de um governo deste partido com apoio maioritário dos partidos de esquerda na Assembleia da República, a desfaçatez ultrapassou todos os limites quando Marques Mendes se arrogou ao direito de proclamar perante o país que “não chega dizer que é duradouro e para a legislatura” o apoio dos partidos de esquerda a um tal governo…
A empertigada desfaçatez deste “opinante”, que no entanto permaneceu calado perante a nomeação presidencial apressada de um governo minoritário de direita sem quaisquer garantias de sustentação, de nada lhe valeu desta vez. É que, por maior que fosse esse o seu desejo, o “opinante” ainda não manda mais que as instituições democráticas do país. “Ai chegou, chegou” sr. comentador de serviço, porque a Democracia assim o permite e porque a Assembleia da Republica assim o decidiu, pelo voto duma maioria absoluta de deputados eleitos pelos portugueses. E para que não restassem dúvidas de que “chegou”, aí esteve a confirmá-lo uma grandiosa manifestação de apoio popular à queda do governo do PSD/CDS à porta da Assembleia da República.
Desta vez de pouco lhe serviram os seus dotes de vidente sr. comentador. E sou até capaz de adivinhar (já agora) que com um governo diferente do actual não será tão cedo que os conseguirá recuperar…

Mário Abrantes