Tempo de definições e clarificação

MAbrantes2Com a finalidade de tentar arrecadar para si os votos da CDU, estando a própria coligação a concorrer em simultâneo com o PS para a Assembleia da República, Manuel Alegre invocou na recente campanha eleitoral, de forma despropositada e pouco séria, o exemplo de maleabilidade tática do PCP em 1986 quando, via Congresso extraordinário após a 1ª volta das presidenciais, Álvaro Cunhal propôs que os eleitores comunistas, tapando os olhos se necessário, votassem em Soares para derrotar o candidato da direita (Freitas do Amaral) na segunda volta.
Disse de forma pouco séria porque uma coisa foi o cenário de 1986 em que se encontravam a concorrer, já em 2ª volta, apenas dois candidatos, um de direita e Mário Soares, sendo os votos dos comunistas decisivos para derrotar o candidato da direita (como efectivamente veio a acontecer), e outra coisa é transpor tal exemplo para as legislativas de 4 de Outubro e pretender que os comunistas ou qualquer outro partido concorrente em disputa eleitoral direta com o próprio PS não votassem no seu próprio partido e passassem um cheque em branco a outro concorrente...
Mas este exemplo de 1986, esquecendo o despropósito com que foi lembrado por Manuel Alegre, é importante para compreender que em política (a sério) é possível conciliar firmeza nos princípios, que ao PCP ninguém nega, com maleabilidade nas posições face à conjuntura. E agora sim perfeitamente a propósito, apoiando um possível governo PS, novamente o PCP demonstra a sua capacidade tática de intervir eficazmente contra a direita, porque o cenário da correlação de forças na Assembleia da República resultante dos resultados eleitorais de 4 de Outubro mostra que em alternativa a esse possível governo estável e suportado por uma maioria (que se torna numericamente decisiva com os votos dos deputados do PCP) está como única opção a continuidade da desastrosa política de um governo de direita PSD/CDS, desta vez sem maioria absoluta mas capaz de, como já demonstrou, semear a instabilidade social permanente e transformar a vida da esmagadora maioria dos portugueses num inferno.
Mais do que uma derrota de Costa ou uma vitória de Passos e Portas, coisas só imagináveis com base em artificiosas mas inexistentes candidaturas a primeiro-ministro, o que as eleições determinaram foi uma correlação de forças na Assembleia da República que coloca o PSD/CDS em minoria e atribui uma maioria absoluta de deputados àqueles que se opuseram à continuidade da sua política. Se o PS vier a formar governo com apoio maioritário da esquerda, não é quem perdeu que está a querer ganhar na secretaria, será simplesmente o PS a corresponder à vontade expressa do eleitorado.
E não é correto afirmar que PS, PCP, Bloco e Verdes não se podem juntar para formar governo maioritário e que compete sim à coligação governar (em minoria) porque teve no conjunto mais votos que cada um dos outros partidos individualmente considerados. É bom lembrar que as legislativas de 2011, onde PSD e CDS concorreram separados, não determinaram maioria absoluta para o PSD e muito menos para o CDS e estes só governaram com maioria absoluta porque se juntaram depois das eleições, coisa que agora mesmo juntos à partida nunca conseguirão a não ser que o PS, contra a vontade da maioria dos que nele votaram, decida dar-lhes esse suporte.
Mais do que nunca estamos em tempo de definições e clarificação de posições para que, pesem embora as nuvens negras e papões agitados por quem só respeita as regras democráticas e constitucionais quando lhe convém, o povo não seja mais uma vez dolorosamente enganado por aqueles que elegeu...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 14 de outubro de 2015