Além de uma farsa, um engodo

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MAbrantes2Com uma inusitada frequência a comunicação social portuguesa tem-nos atirado aos olhos e ouvidos a história do "empate técnico" entre o PS e a PaF (PSD mais CDS) como resultado de múltiplas sondagens realizadas a partir das mais diversas fontes.

É costume dizer-se que as sondagens valem o que valem, mas cada vez mais elas valem menos como termómetros que refletem a vontade do eleitorado e valem mais como instrumentos de condicionamento (e manipulação) subliminar do voto dos eleitores.

Ora na situação presente a história do "empate técnico" serve às mil maravilhas os dois empatados e portanto, de acordo com a ideia acima e dado o elevado grau de dependência da maioria dos órgãos da comunicação social relativamente ao interesse comum dos empatados, tenderá a repetir-se com alguma regularidade, mesmo que outras sondagens (as não públicas) apontem para resultados depois de 4 de Outubro que se venham a afastar consideravelmente de tal empate...

E então vejamos de que diferentes modos a farsa e o engodo do "empate técnico" propiciam a ocultação dos verdadeiros interesses em causa nas próximas eleições e servem os objetivos eleitorais não só do PSD e CDS, como também do PS:

- O "empate técnico" entre a coligação PaF e o PS permite escamotear subliminarmente uma previsível e clara derrota dos partidos da direita no poder, já que PSD e CDS juntos apresentam na generalidade das sondagens um número de votos em média muitíssimo mais baixo (33 a 38%) que a soma por eles obtida em 2011 (mais de 50%);

- Com a ajuda do "empate técnico", esconde-se que a votação é para deputados e não para primeiros-ministros e dá-se relevância a um despique personalizado a dois em que se estimula o eleitorado a utilizar predominantemente critérios clubísticos, ou critérios de oratória e boa aparência, para uma escolha que acaba sendo redutora, limitada a duas hipóteses (bipolarização) e onde, para além de se agitar pela rama a maior ou menor seriedade ou competência de um ou de outro, a política propriamente dita acaba completamente menorizada como fator de decisão;

- Com o "empate técnico" fabrica-se a ideia que tanto o PS como o PSD/CDS poderão vencer por pouca margem, logo, todos os votos, incluindo os repescados dos restantes concorrentes, vão ser precisos para que o inferno não ganhe ao céu. Vá-se lá saber, na cabeça de cada um, qual dos dois é o céu ou se o inferno passou a ser azul, já que os programas eleitorais, para além de algumas diferenças de gradiente, são muito semelhantes;

E assim se procura através das sondagens, esvaziar as diferentes alternativas e puxar pelas maiorias absolutas sejam elas do PS ou do PSD/CDS (nunca de outros, está bem de ver...), tão desejáveis para Cavaco e Silva como para a elite dos banqueiros, bem como ainda para que as políticas a executar durante o mandato se possam afastar substancialmente das prometidas ao eleitorado sem que com isso seja beliscada a sacrossanta "estabilidade governativa"...

Quanto mais não seja, bastaria esta simples constatação para, em nome dos interesses do povo e do país, e da diminuição da instabilidade social (semeada de forma violenta e continuada nos últimos anos), ser de toda a utilidade que, depois de 4 de Outubro, não venham a existir maiorias absolutas de qualquer partido ou coligação concorrente ao parlamento português e que cresçam em número de votos e de deputados as forças que podem fazer a diferença (política) com vista à indispensável mudança de rumo do país.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 3 de setembro de 2015