finalmente mar à vista...

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Mário AbrantesArtigo de opinião de Mário Abrantes

Quem mora na zona ou por ela circula, pode dizer: “Finalmente mar à vista e Pedreira do Meio a ser limpa de tanques e entulho…”

Ameaça de queda de aviões do aeroporto, incêndio ou explosão sobre depósitos de combustível de superfície, salpicos de fuligem oleosa e corrosiva sobre as casas, automóveis e roupas, cheiros nauseabundos e ruídos ensurdecedores de martelo na chapa, tudo isto se constituiu como mal-amado e perigoso ex-libris daqueles que durante décadas, apenas separados pelo arruamento do Estradinho em Ponta Delgada, tiveram o infortúnio de viver de nariz encostado aos chamados “Tanques do Óleo” (depósitos de combustível) da Bencom S.A., na Pedreira do Meio em Santa Clara.

Durante décadas, sobre terrenos públicos, debaixo do pretexto do interesse estratégico das instalações em causa, com o aval e o licenciamento do poder político central e depois regional (o último, em 1993, concedido por mais 20 anos à revelia do povo pelo então Diretor Regional Gaspar da Silva, do governo de Mota Amaral), o poder económico impôs-se em detrimento do interesse e segurança dos cidadãos, mesmo contra o disposto na lei (o Regulamento de Segurança constante do Dec. 36270, de 9 de Maio de 1947), furtando-se a proceder à deslocalização dos depósitos para local que não colocasse em risco a vida, a saúde, e os bens de centenas de habitantes desta zona fronteiriça entre as freguesias de Santa Clara e S. José.

Desde há quase 20 anos entretanto, nomeadamente a partir de 1996 através de um plenário de moradores realizado nos armazéns da antiga fábrica de gelados “Esquimó”, os lesados juntaram-se, organizaram-se e não mais baixaram os braços para lutar pelo desmantelamento e deslocalização dos depósitos. No referido plenário foi eleita uma comissão (depois denominada Comissão de Proteção de Pessoas e Bens da Pedreira do Meio) que se manteve ativa até 2006/2007, e que, através da promoção de abaixo-assinados com mais de 500 assinaturas entregues ao Presidente da Câmara de então, Manuel Arruda, ofícios aos mais diversos órgãos do poder regional com Carlos César como presidente, ofícios à Câmara, já com Berta Cabral, exposições à Procuradoria-Geral da República, reuniões com a Bencom S.A., petições à Assembleia Legislativa da RAA, conseguiu finalmente ver aprovadas duas resoluções na Assembleia Municipal de Ponta Delgada e uma outra na Assembleia Legislativa Regional em 2002, por via da intervenção do então grupo parlamentar do PCP, que recomendavam a não renovação do licenciamento e a deslocalização dos depósitos para uma zona de segurança.

Mas os poderes executivos nenhum seguimento prático deram à aprovação destas resoluções, e perante a ameaça da renovação do licenciamento das instalações, a Comissão passou o testemunho para as recém-eleitas Junta e Assembleia da (nova) freguesia de Santa Clara, as quais promoveram em 2007 um novo abaixo-assinado, desta vez subscrito por mais de 1000 pessoas e que foi entregue à Presidência do Governo Regional, com vista à não renovação da licença das instalações da Bencom e à sua deslocalização, tendo finalmente obtido do Presidente o compromisso público desse desiderato, o qual veio a concretizar-se, embora só a partir de 2014…

O adversário era poderoso, mas a razão acabou por vencer. Valeu a pena. O segundo grande depósito já está a ser desmantelado e o mar voltou, após mais de 50 anos, a ficar à vista. Resta, sem baixar a guarda, esperar que aquilo que finalmente foi devolvido aos cidadãos: o direito à segurança, ao bem-estar e ao usufruto da orla marítima, não venha ali a ser posto em causa por um outro qualquer investimento interesseiro e irresponsável no futuro…